Normalmente começamos a história pelo começo, não nesse caso. Aqui, começo mesmo com spoiler
Por Luciana Oncken
O ano é 2021, mãe, pai e filho entram no mar. Marisa, Marco e Mateus moram em Ilhabela, litoral norte de São Paulo, mas nem por isso essa é uma cena corriqueira na vida deles. É um dia para comemorar com uma taça de vinho, com a família reunida. E os dias têm sido assim, de remissão, de emoções curadas, depois de seis anos desde que a dermatite atópica se manifestou em Mateus pela primeira vez em três crises seguidas, aos 12 anos de idade. O banho de mar é como sair de um casulo, experimentar uma nova pele.
A família morava em São Caetano do Sul, região do ABC paulista, quando tudo começou. A jornalista Marisa Aparecida do Amaral Mariano, 51 anos, mãe de Mateus, trabalhava na zona sul de São Paulo como assessora de imprensa de uma grande agência, em uma rotina exaustiva. Entre as intensas crises de Mateus, naquele 2015, ela perdeu a mãe. E Mateus recebeu o diagnóstico de uma condição crônica, a dermatite atópica, que veio com toda a intensidade.
Mateus era um menino como qualquer outro da sua idade, até aquele momento, curtia passear com os pais e viajar, surfava, praticava esportes, era excelente aluno na escola, brincava muito com os amigos, era um menino alegre. “Ele tirava 10 em Matemática”, faz questão de enfatizar a mãe.
A manifestação
Antes das três intensas crises, que ocorreram em um intervalo de poucos meses, Mateus teve, ao longo de dez anos, episódios de alergia respiratória, como rinite e sinusite alérgicas, asma, manchas nas dobras dos joelhos e cotovelos, que eram tratadas com anti-alérgico, spray nasal e “bombinha”. Até que, em uma consulta com uma alergista, iniciou um tratamento com “vacinas”. Foi aí que tudo saiu do controle, a dermatite atópica se instalou com tudo. Mateus perdeu a pele de tão intensa que a crise surgiu. Perderia por anos a proteção do corpo e do seu emocional. “Era uma sexta-feira, eu contatei a médica e ela disse para irmos à consulta na segunda-feira, mas não tinha como esperar, fomos ao pronto-socorro e ele foi direto para a Semi-Intensiva”. O diagnóstico foi de dermatite atópica, mas sem muita orientação sobre o que era ou como tratar.
Depois que Mateus saiu do hospital, a avó materna morreu, e a crise voltou. Mateus foi para a Santa Casa de São Paulo. Um momento de muito sofrimento para a família. ”Não conseguiam colocar o acesso, ele estava em carne viva e, quando conseguiam colocar, não segurava”, lembra Marisa, angustiada.
Mudaram de hospital e receberam toda a orientação sobre o que era exatamente a DA, uma doença crônica com a qual Mateus conviveria dali em diante. Foi quando Marisa e o pai de Mateus, Marco Aurélio Dias Mariano, 57 anos, ouviram do filho algo que nenhuma mãe, nenhum pai quer escutar. Mateus os chamou e disse: “Mãe, acho que é melhor eu morrer, você não precisa passar por isso comigo.” Marisa e Marco, em meio a maior dor que já haviam sentido até aquele momento, acolheram a dor do filho, e o fizeram entender que não havia cura até então, mas havia tratamento.
A partir desse momento, acendeu um alerta nos pais, e eles perceberam a necessidade de um tratamento multidisciplinar, com apoio de um psiquiatra. “É um ciclo sem fim, e é frustrante para quem vive com DA. Você se submete a um monte de tratamento e nada melhora. A pele influencia na saúde mental e emocional e a saúde mental e emocional influenciam na pele”.
Missão na terra
Mateus do Amaral Mariano está prestes a completar 19 anos no dia 23 de setembro de 2021, Dia da Conscientização sobre a Dermatite Atópica. “Nada é por acaso”, acredita Marisa. Ela sabe que os piores momentos ficaram no passado e relembrar faz parte da sua missão de levar conhecimento, informação e conforto a quem passa pelo mesmo. E também, e principalmente, mostrar a Mateus o caminho da vida fora do casulo. “Essa é a minha missão na Terra”, considera a jornalista.
O Mateus com dermatite atópica, na falta de uma pele que o protegesse, entrou em um casulo. A alegria e o entusiasmo se esconderam com ele. A mãe conta que ele se isolou dos amigos, não gostava mais de ir para escola, de passear, de se expor, passou a ir mal na escola, passando sempre pelo Conselho de Classe.
Em meio às crises de 2015 e da morte da mãe, Marisa acabou sendo demitida do emprego e, embora tenha recebido bons convites para voltar ao mercado, decidiu, com o apoio de Marco, que não queria mais aquela vida. Procuraram durante algum tempo algo para investir e decidiram agarrar a oportunidade que veio de investirem numa pousada em Ilhabela, em busca de uma vida mais calma e equilibrada.
Mateus seguia em seu casulo, ia para escola de calça comprida e mangas longas mesmo quando o calor beirava os 40 graus. Não fazia amigos. Não ia bem na escola. Mas tinha o acompanhamento de perto da coordenadora da instituição, sempre muito próxima dos pais, que garantiu a convivência de Mateus no ambiente escolar.
Marisa, em sua missão, sempre atenta, buscava informações sobre tratamentos em tudo o que é canto da Internet e com médicos e profissionais de saúde. “Tentamos muitas coisas, um monte de tratamento, além de profissionais como dermatologista, psiquiatra, psicólogo, nutrólogo e infectologista”. Quando fizeram o teste para saber a que Mateus era alérgico, um novo baque. O menino apresentava alergia a quase tudo: leite, ovo, corante, peixes, frutos do mar, glúten… “Foi desesperador, choramos juntos”, relembra Marisa.
Mas a partir dali se estabelecia uma nova rotina em família, que virou hábito, que se transformou no momento de união. “Cozinhamos juntos desde então, e descobrimos novas receitas, muita coisa orgânica. Mudamos os hábitos de toda a família”, o que, segundo Marisa, é mais fácil de seguir morando no litoral. O resultado é que Mateus, desde novo, já preparava algumas de suas refeições. E isso fica para toda a vida.
Proteção
Embora o casulo proteja de muitas coisas, de outras não protege. O banho até há pouco tempo era um grande sofrimento. “Ele chegava a desmaiar, tamanha a dor”. As noites são difíceis de encarar, o sono não vem, mas se manifesta de dia. “Há um dano psicológico, eu não tenho dúvida, ele passou por muita coisa, a pele que infecciona, se enche de sangue e pus, a falta de proteção da pele, que causava febre e calafrios, a cabeça pesada, o ter que se concentrar com tudo isso”, relata Marisa.
Há passagens que marcam, como o dia em que um colega da escola o provocou mostrando o pão-de-queijo que ele não poderia comer. Ou de quando ele foi dormir fora, na casa do tio, e Marisa foi apontada como se não cuidasse o suficiente de Mateus, já que o menino acordou com o lençol cheio de sangue, pele e pus. “As pessoas não têm noção do que a gente passa, é muito triste. Nada traz resultado, e você se sente incompetente em tudo”, aponta Marisa. A partir dali, Mateus poucas vezes quis voltar a dormir fora. Hoje, ele vai, leva as coisas dele e já guarda tudo ao acordar.
Não raro, por conta das infecções, Mateus precisava de aplicação de antibióticos injetáveis. Foram diversos tipos de tratamento ao longo desses anos de dermatite atópica, até com imunossupressores, para tentar controlar a resposta exacerbada do organismo.
Marisa lembra que o tratamento da dermatite atópica é de alto custo. São terapias tópicas, não um creme qualquer. São pomadas que não duram quase nada nas crises, porque é necessário passar no corpo todo, muitas vezes.
Quebrando o casulo
A partir de 2019, as coisas começaram a mudar na vida de Mateus. O novo tratamento traz esperança de uma vida como a de qualquer outro jovem. Ao iniciar o tratamento, Mateus perdeu 20 quilos em um mês. “Ele não estava com obesidade, ele estava inchado”, explicou o médico.
Hoje em dia, praticamente todos os alimentos já foram liberados, mas Mateus vai com calma. Fez amigos a partir de uma colega da escola, ampliou o convívio com outros jovens. Vai da Ilhabela para São Sebastião e volta no dia seguinte. “Quero que ele perceba que pode ser independente, que não precisa mais sempre de mim”, emociona-se a mãe. “Não podemos perder a esperança. Precisamos ir atrás do médico certo. Pode não haver cura, mas há tratamento.”
Marisa aconselha a seguir perfis responsáveis nas redes sociais, que compartilham essas experiências e vivência. “Traz um norte, é importante.” Buscar aconselhamento, apoio é o seu conselho para cuidadores que acabam de descobrir a dermatite atópica. “Ninguém tem noção do que você está passando, busque ajuda”.
Fora do casulo
Mateus ainda está se adaptando à vida fora do casulo. Ainda se acostumando com a pele recuperada, pele que é barreira. Vai dar um tempo antes de iniciar os estudos, quer ter certeza do que pretende seguir.
Marisa comemora cada pequena conquista, como o banho de mar, não vê um ponto de virada, mas uma trilha com obstáculos ultrapassados e a vitória ali na frente, próxima. “Sonho com ele se aceitando, se entendendo, que ele tenha uma profissão, uma família, que não tenha vergonha de expor seu corpo”.
Quando ele sai e fica com os amigos, a mãe sente alegria pelo filho. “Ele cresceu, está bem. O pior já passou.”