Desafios e aceitação
Marina lembra de algumas passagens dolorosas da vida, revisita o passado, emociona-se, volta ao presente. Em uma dessas passagens, a professora da quarta série, andando pela sala de aula, para diante de sua carteira, observando seu braço, pergunta: “o que aconteceu com você, você se queimou?”. “E ela responde que não, que era “apenas uma alergia”. Foi o suficiente para que ela passasse a esconder seus braços, com roupas de manga longa, casaquinhos, mesmo quando estava calor. Esse hábito a acompanhou até completar 20 anos, mais ou menos. E mesmo hoje em dia, quando as lesões estão mais aparentes, ela busca vestir roupas que cubram mais as áreas afetadas.
Ela lembra da expectativa pela chegada da adolescência, porque os médicos diziam que era a fase que normalmente melhorava, mas não foi o que aconteceu com ela. “Sempre tive muito apoio dos amigos, mas eu nunca dizia o que era, falava que era alergia”.
A jornalista conta que já tentou todo tipo de tratamento, dos mais tradicionais aos mais alternativos. Em algum momento, optaram por um tratamento homeopático na tentativa de tratar a DA de uma forma menos agressiva. Pelo tratamento proposto, ela não deveria fazer uso de nenhuma pomada com cortisona – algo comum, naquele momento, em sua rotina de tratamento. Deveria esperar a homeopatia começar a fazer efeito. “Fiquei uns quatro, talvez seis meses sem corticoide, minha pele ficou muito ressecada, em cima do meu lábio começaram a se formar fissuras, pequenos cortes. Teve um dia que contei 13 nessa região. Eu não conseguia nem comer, nem falar direito, eu chorava muito, não queria ir para a escola”.
A depressão bateu à porta, logo dela, que sempre foi uma menina alegre, animada. Um dia, Patrícia, sua mãe, no auge de uma das crises de Marina, decretou: “Nós vamos resolver isso já”. E ela acabou voltando para o tratamento alopático.
Nesse, que foi um dos momentos mais delicados da sua vida, “porque é quando as meninas começam a ficar mais vaidosas e começam a querer flertar”, a garota transformou o hábito de passar pomada de cortisona (uma medicação bem forte), ao mínimo sinal de crise, em uma rotina perigosa. “Sorte que eu nunca tive nenhum efeito colateral, comum em uso prolongado sem o chamado ´desmame´, mas foi um grande risco, e desaconselho qualquer um a se submeter a isso, é muito arriscado”, arrepende-se Marina.
Ela continuou o uso até encontrar uma médica que sugeriu um tratamento que ela diz “trazer esse cuidado de dentro para fora, de um jeito menos paliativo”.
Influências: a alimentação e o emocional
A alimentação e o emocional têm um papel importante na trajetória da curitibana. Suas crises sempre estão ligadas a algum desses fatores. Tanto é assim, que já tem alguns anos que ela “se despediu” dos ultraprocessados, corantes e fast food.
A decisão final ocorreu em 2016, depois de passar dois meses consumindo esse tipo de alimento. “Eu estava fazendo um trainee no Estadão e não tinha tempo de cozinhar. O dinheiro estava curto e me rendi ao fast food”. O resultado apareceu em sua pele, com lesões em toda a extensão das coxas. Ela conta que levou meses até se recuperar por completo. Em sua casa, não entram alimentos com rótulos impossíveis de ler: ela tenta comprar tudo in natura, garantindo uma alimentação mais adequada e segura.
Mas já houve quem olhasse torto para seu cuidado com a alimentação. Em uma festa, uma mulher a expôs na frente de todos os presentes. Ao observar que ela não estava se servindo das sobremesas, insistia para que ela comesse. Marina respondia que não podia, mas não adiantava, até que ela explicou que tinha alergia. A resposta: “os meus netos não vão ter essa frescura com alimentação, essas coisas de alergia e tal!”. Marina ficou muito constrangida e triste, a ponto de chorar e deixar a festa.
A yoga e a meditação ajudam a jornalista a controlar a sua ansiedade e a fortalecer o seu emocional, além da terapia. “Quando comecei a praticar yoga, em 2018, é como se eu tivesse entrado em outro mundo. A yoga me salvou. Eu, como todo atópico, sou muito ansiosa. Com a yoga, percebi que era possível viver de um jeito mais calmo. A meditação também me ajuda a parar e me conscientizar”.
A família e os amigos
“Quem tem uma doença crônica precisa de amigos crônicos”, brinca. O suporte da família e dos amigos nas fases mais difíceis da doença foi fundamental para que Marina superasse as dificuldades impostas pela DA.
A família, principalmente, sempre representou um porto-seguro para Marina. Marina tem uma irmã do mesmo casamento de Patrícia com Hélio, a Gabriela, quase três anos mais nova. E o irmão Henrique, seis anos mais novo, do casamento de sua mãe com Marlos. “Às vezes, tudo o que você precisa é alguém que te escute e que fique do seu lado”. Uma das coisas mais importantes para ela é se sentir confortável sendo quem é: poder se coçar e não ter medo de se expor.
Ela confessa que ainda tem um pouco de receio de se abrir tanto com os amigos, mas desde que começou a namorar com Matheus, em 2018, a relação dos dois tem sido de troca, carinho e muita confiança.
Os dois moram juntos desde fevereiro deste ano, quando Marina se mudou de Curitiba para São Paulo por conta de uma oferta de trabalho. “Estamos vivendo um relacionamento muito saudável. Ele tem um cuidado muito bonito comigo”. Ela conta também que não é incomum ela chegar na cozinha e seu preparado de linhaça ‒ que toma todas as manhãs ‒ estar pronto, em cima da pia. “Ele faz na noite anterior e deixa pra eu tomar”.
Agora, durante a pandemia, os dois estão em quarentena juntos. Neste período, a dermatite veio com força, muito por causa do emocional; e, também, pelo clima seco de São Paulo. Mas, mesmo nesses momentos mais difíceis, o apoio de Matheus continua o mesmo ‒ ou até mais forte.